O terceiro voo de repatriação de brasileiros do Líbano chegou a São Paulo na quinta-feira (10/10), transportando 218 passageiros em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB). Com a realização desses três primeiros voos, já foram repatriadas um total de 674 pessoas, além de 11 animais de estimação. Essas operações de repatriação foram organizadas em resposta a pedidos de brasileiros que desejavam retornar ao país em meio ao atual conflito entre Israel e Hezbollah.
O Líbano se destaca como o país do Oriente Médio com o maior número de brasileiros, com uma comunidade estimada em cerca de 21 mil pessoas. Essa significativa presença de brasileiros no Líbano ressalta as profundas ligações históricas entre os dois países, que têm raízes que remontam ao final do século 19, quando muitos libaneses começaram a emigrar para o Brasil em busca de melhores oportunidades.
Essas conexões são ainda mais evidentes quando consideramos a enorme comunidade de libaneses e seus descendentes que se estabeleceram no Brasil. Essa imigração contribuiu para a formação de uma rica diversidade cultural, com influências libanesas visíveis na gastronomia, na música e em outras manifestações culturais brasileiras.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o último censo realizado em 2010 revelou que 12.336 libaneses residiam no Brasil na época. Essa cifra representava 2,9% do total de estrangeiros no país, evidenciando a relevância da comunidade libanesa na sociedade brasileira.
Esses esforços de repatriação, além de serem uma resposta imediata à crise atual, também refletem a importância das relações entre Brasil e Líbano, que continuam a se desenvolver através de laços familiares, sociais e econômicos. A capacidade de mobilizar voos de repatriação demonstra a preocupação do governo brasileiro com seus cidadãos no exterior, especialmente em situações de conflito e instabilidade.
Entretanto, ao analisar a comunidade libanesa no Brasil, as estimativas são consideravelmente mais elevadas. A Associação Cultural Brasil-Líbano calcula que, entre cidadãos e seus descendentes, o número chegue a aproximadamente 8 milhões de pessoas. Essa cifra impressionante coloca o Brasil como o país com a maior comunidade de libaneses e seus descendentes em todo o mundo, superando até mesmo a população do Líbano, que atualmente é de cerca de 5,5 milhões.
Esses números refletem não apenas uma presença significativa, mas também a profunda influência cultural que a comunidade libanesa exerce no Brasil. Desde o final do século 19, muitos libaneses emigraram para o Brasil em busca de melhores oportunidades, trazendo consigo suas tradições, culinária e valores. Com o tempo, eles se estabeleceram e se integraram à sociedade brasileira, contribuindo para a formação de uma rica tapeçaria cultural.
As relações entre Brasil e Líbano se solidificaram por meio de laços familiares, comerciais e culturais. A imigração intensa durante períodos de crise no Líbano, como guerras e instabilidade política, ajudou a criar uma forte rede de apoio para os recém-chegados. Além disso, as remessas enviadas por libaneses que vivem no Brasil para suas famílias no Líbano ajudaram a fortalecer esses vínculos.
A presença da comunidade libanesa no Brasil é visível em várias áreas, como a gastronomia, com pratos típicos que se tornaram populares, e na música, onde influências do Líbano se mesclam com estilos brasileiros. Eventos culturais, como festas e festivais, também celebram essa herança e promovem a integração entre os libaneses e a sociedade brasileira.
Diante disso, surge a pergunta: como os dois países conseguiram construir laços tão fortes, apesar da distância geográfica e das diferenças culturais que os separam? As respostas podem ser encontradas na história compartilhada, nas experiências de imigração e na contínua valorização das raízes culturais, que mantêm vivas as conexões entre o Brasil e o Líbano.
O significativo fluxo de migração libanesa para o Brasil teve início no final do século 19, com um marco importante sendo o primeiro navio que partiu de Beirute em direção ao porto de Santos em 1880. Este movimento migratório foi impulsionado por uma série de fatores que afetavam a população local.
Naquela época, a área que hoje conhecemos como Líbano estava sob o domínio do Império Turco-Otomano. Esse período foi marcado por um crescente descontentamento em relação às condições políticas, econômicas e religiosas. Muitas pessoas, especialmente os cristãos, enfrentavam perseguições e discriminação, o que os levava a buscar refúgio em outros países.
“Muitos cristãos sofriam perseguições religiosas, ao mesmo tempo em que a disponibilidade de trabalho e terras se tornava cada vez mais limitada”, comenta Nouha B. Nader, diretora Cultural da Associação Cultural Brasil-Líbano. Essa combinação de fatores criou um ambiente de instabilidade que incentivou a emigração em massa.
Oswaldo Truzzi, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e especialista em sociologia das migrações, acrescenta que a introdução de produtos industrializados baratos, provenientes principalmente da Inglaterra e da França, teve um impacto significativo. “Uma ampla gama de bens manufaturados começou a inundar os mercados locais, minando a produção domiciliar e em pequena escala de diversas famílias no interior do país”, explica. Com isso, muitas famílias se viram forçadas a buscar alternativas para sustentar seus lares, levando alguns de seus membros a emigrar.
Adicionalmente, a mudança no regime de alistamento militar do Império Otomano, que se tornou obrigatório por volta de 1909, também desempenhou um papel crucial. Essa nova exigência forçou muitos jovens homens a deixar o país, já que temiam ser convocados para o serviço militar em um contexto de crescente tensão que culminaria na Primeira Guerra Mundial.
Esses fatores convergentes não apenas moldaram a experiência dos libaneses que migraram para o Brasil, mas também estabeleceram as bases para a formação de uma das maiores comunidades de libaneses e seus descendentes fora do Líbano, resultando em laços culturais e sociais que perduram até hoje. Essa história de migração e adaptação é um testemunho da resiliência e da capacidade de reconstrução das comunidades libanesas no exterior.