O economista Daron Acemoglu, coautor do renomado best-seller “Por que as nações fracassam” e do recém-publicado “Poder e progresso”, abordou questões cruciais sobre o futuro da democracia no Brasil sob o novo governo de Lula. Em uma entrevista exclusiva, realizada em setembro de 2023, Acemoglu argumentou que, embora o combate à desigualdade seja um objetivo fundamental, isso por si só não será suficiente para fortalecer a democracia no país.
Ele enfatizou que um dos principais desafios enfrentados por Lula é reconquistar a confiança de uma parcela significativa da população que se sente desencantada com o sistema democrático. “A menos que Lula encontre uma forma eficaz de se conectar com esses cidadãos, que muitas vezes se sentem alheios à política e às instituições, o caminho para a consolidação da democracia será difícil”, afirmou. Essa desconexão, segundo Acemoglu, pode ser um obstáculo sério para o progresso social e político.
O economista também destacou a importância de políticas que não apenas abordem a desigualdade econômica, mas que também promovam inclusão e participação ativa da sociedade civil. Ele sugere que, para restaurar a fé na democracia, é essencial implementar medidas que garantam que as vozes de todos os cidadãos sejam ouvidas e valorizadas.
Além disso, Acemoglu foi recentemente premiado com o Nobel de Economia 2024, junto com Simon Johnson e James A. Robinson, em reconhecimento às suas investigações sobre as disparidades de prosperidade entre as nações. Essa conquista ressalta a relevância de suas pesquisas para entender as dinâmicas que afetam economias e sociedades ao redor do mundo, incluindo o Brasil, onde as questões de desigualdade e democracia são interligadas e urgentes.
Para Acemoglu, o presidente brasileiro deve ir além dos programas sociais para superar a polarização no país.
“O foco deve ser na criação de melhores oportunidades de emprego para a classe média trabalhadora e para os profissionais do setor agrícola”, recomenda o economista turco-americano de origem armênia.
“Isso também se aplica aos Estados Unidos – eu não acredito que um aumento nos programas de transferência de renda seja suficiente para reconquistar os eleitores de [Donald] Trump. Contudo, existe uma probabilidade maior de atraí-los novamente ao demonstrar que um governo democrático pode realmente criar empregos, oferecer melhores oportunidades e permitir que as pessoas vivam suas vidas da maneira que desejam.”
Em “Por que as nações fracassam”, publicado originalmente em 2012 e relançado no Brasil pela editora Intrínseca em 2022, Acemoglu e James A. Robinson realizam uma análise aprofundada dos fatores que levam alguns países a prosperar, enquanto outros permanecem presos à pobreza. O livro examina como instituições políticas e econômicas influenciam o desenvolvimento e a prosperidade das nações, explorando casos históricos e contemporâneos para entender as dinâmicas que afetam a riqueza e o bem-estar das populações.
Em “O Corredor Estreito” (publicado originalmente em 2019 e relançado pela Intrínseca em 2022), os autores analisam por que alguns países conseguem conquistar liberdade e democracia, enquanto outros permanecem sob regimes tirânicos ou autocráticos.
Já em “Poder e Progresso” (2023, lançado no Brasil pela Objetiva em abril deste ano), Daron Acemoglu e seu colega de Nobel, Simon Johnson, investigam como diferentes escolhas históricas permitiram que o avanço tecnológico beneficiasse as elites ou promovesse um crescimento inclusivo que também melhora a vida dos trabalhadores.
Os economistas acreditam que é viável um futuro em que a inteligência artificial (IA) e as novas tecnologias digitais sejam utilizadas para empoderar os trabalhadores, em vez de fomentar a vigilância e a automação. Contudo, para isso, é necessário tomar decisões que direcionem as tecnologias para esse propósito.
Durante a entrevista o Acemoglu comentou sobre a recente expansão do Brics (bloco que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), considerando-a uma “oportunidade perdida” para os países emergentes se posicionarem de forma independente nesse contexto.
Ele observa que países como o Brasil enfrentam um duplo desafio: regulamentar as novas tecnologias para proteger suas populações, sem comprometer o progresso tecnológico, em um cenário em que as nações emergentes ainda estão atrás na curva de inovação.
Acemoglu expressou sua descrença na renda básica universal como solução para os desafios que a inteligência artificial apresenta ao futuro do trabalho. “Não acredito que estamos condenados a substituir o trabalho humano”, afirma ele. “Há uma alternativa que consiste em usar a inteligência artificial de maneira que beneficie os seres humanos e os trabalhadores. Ao focar demais na renda básica universal, adotamos uma postura derrotista”, defende.
Daron Acemoglu – Fico feliz que [Jair] Bolsonaro não foi reeleito e estou cautelosamente otimista de que agora temos espaço para reconstruir a democracia brasileira. No entanto, continuo preocupado com o fato de que o Brasil ainda é um país muito polarizado, e essa polarização pode dificultar o fortalecimento da democracia.
Nunca fui tão pessimista a ponto de achar que o Brasil estava “condenado” a destruir sua democracia. Mas talvez minhas declarações refletissem que, há dez anos, acreditava que a democracia brasileira estava bastante segura, apesar de escândalos de corrupção e outros problemas. Eu pensava que o Brasil não retornaria a uma ditadura militar. Contudo, durante o governo Bolsonaro, houve momentos em que temi por isso, especialmente quando ele começou a solicitar intervenção militar e expressar saudade do período em que os militares governavam, mantendo uma popularidade significativa, com quase 50% de apoio.
A polarização é um fator importante aqui. A eleição de Lula é um avanço, mas, a menos que ele encontre formas de reconectar com uma parte da população que se sente desencantada com a democracia, o caminho será desafiador. Isso é similar ao que acontece nos EUA. Embora eu admire várias políticas da administração [Joe] Biden, não acredito que elas sejam suficientes para reconquistar os eleitores que votaram em Trump e que se tornaram muito desiludidos com o sistema americano.
Acemoglu afirma que combater a desigualdade é essencial, mas não pode se restringir apenas a programas sociais. Ele acredita que é fundamental criar melhores oportunidades de emprego para a classe média trabalhadora e para os profissionais do setor agrícola.
O mesmo raciocínio se aplica aos Estados Unidos: “Não creio que aumentar os programas de transferência de renda vá reconquistar os eleitores de Trump. Contudo, existe uma chance maior de atraí-los ao demonstrar que um governo democrático pode gerar empregos, oferecer melhores opções e permitir que vivam suas vidas como desejam.”
Acemoglu observa que Brasil e EUA compartilham muitas semelhanças: ambos são países heterogêneos com sociedades diversas. Para ele, é crucial respeitar essa diversidade e criar mais oportunidades que garantam boas condições de vida e resultados econômicos positivos dentro desse contexto.
Ele também destaca que a história de ambos os países demonstra que tentativas de eliminar essa diversidade podem ter consequências negativas.
Entrevistador – O senhor mencionou que o Brasil provavelmente não conseguirá um crescimento significativo apenas com a exportação de commodities para a China e que o país precisará encontrar um novo caminho. Qual é a sua visão para o futuro do Brasil?
Acemoglu – Nos anos 1950 e 1960, o Brasil aspirava a se tornar uma potência industrial. O país possui uma grande parte da sua força de trabalho educada e investiu em diversos setores no passado. Portanto, acredito que é necessário estimular o setor privado.
O governo tem um papel importante, mas não pode ser o motor desse crescimento. Ele pode oferecer incentivos e atuar como facilitador, mas, no final das contas, o crescimento sustentável precisa vir do setor privado, e atualmente não vejo isso ocorrendo de maneira suficiente.